Das Vantagens de Ser Bobo (Clarice Lispector)

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  O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar no mundo. O bobo é capaz de ficar sentado, quase sem se mexer por duas horas. Se perguntando por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo. Estou pensando." Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a ideia. O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não veem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os veem como simples pessoas humanas. O bobo ganha liberdade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski. Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea o...

A FORÇA DE UMA POESIA (Carmem Luiza)



Semana passada num trecho de entrevista no programa da TV Escola, 
abordando o incentivo à leitura em seus variados gêneros, o escritor Rubem Alves lembrou trecho do filme O carteiro e o poeta para dar exemplo da força que uma poesia pode ter.
No filme, existe uma senhora, dona de um restaurante, que tem uma neta, uma moça muito bonita. Um rapaz da aldeia é apaixonado por ela e a velha vive a vigiar os dois...
Certa noite, a jovem demora a chegar em casa e a avó fica louca de preocupação. Mal sabe que estão juntos na praia, mas na maior inocência, sem fazer nada demais.
Assim que ela retorna ao restaurante, a avó pergunta:
__ Aonde você estava?
A moça conta a verdade.
___ Ele fez alguma coisa com você? __ continua, sacudindo-a.
___ Ele me disse uma poesia.
A velha suspira:
___ Então você está perdida...
***
Imediatamente o episódio relatado me jogou no balaio de lembranças juvenis. A situação era idêntica à que eu vivi  na companhia de meu primeiro namoradinho.Ambos cursávamos o 4º ano ginasial em colégios diferentes.Naqueles idos  de 1970, muitas famílias mantinham as rédeas curtas com os enamorados e comigo se dava assim.Dias de namoro eram as terças, quintas, sábados e domingos das 19h às 22h, e ponto final.


Ele(o namorado) se queixava de nunca podermos dar um passeio, tomar um sorvete, pois se pedíssemos  à minha mãe permissão, ela mandaria minha avó nos acompanhar e nós ficávamos com pena de incomodá-la após um dia de trabalho em sala de aula, além do que queríamos um tempinho sozinhos, mesmo que cercados de outras pessoas. Então, nos resignávamos e ficávamos no portão conversando com  os amigos e amigas da rua que eu morava.


Num belo domingo ele me propôs, que no dia seguinte depois da aula, fôssemos lanchar numa lanchonete nova que abrira na rua do cinema Icaraí. A aventura me tentou e concordei.Dia seguinte, hora marcada, pego o ônibus e lá vou eu pro encontro com o coração aos pulos.Ele já me esperava na porta da lanchonete com os livros no braço e um sorrisão no rosto. Sentamo-nos, pedimos, lanchamos  nos sentindo um verdadeiro casal.Às 14 h, já estava eu dentro do ônibus a caminho de casa. Cheguei tão sorridente que minha mãe logo me interpelou por onde eu havia andado até aquela hora. Contei tudinho e expliquei que se tivesse pedido ela não me deixaria ir.


O teto desabou na minha cabeça. Fiquei de castigo uma semana e nada de namoro, nem por telefone.Me senti culpada por ter omitido "o encontro" fora das vistas dela, mas foi um passeio inocente  de dois adolescentes brincando de gente grande.
Minha mãe não acreditava na força de uma poesia. Uma pena!


Carmen Luiza


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