Das Vantagens de Ser Bobo (Clarice Lispector)

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  O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar no mundo. O bobo é capaz de ficar sentado, quase sem se mexer por duas horas. Se perguntando por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo. Estou pensando." Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a ideia. O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não veem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os veem como simples pessoas humanas. O bobo ganha liberdade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski. Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea o

Germen de Trigo (Lelê Teles)



Dormi a gosto, acordei Setembro. Na primeira manhã do mês da primavera, ela se espreguiçou na cama como uma flor que desabrocha. 

O pólen que perfuma o seu corpo-pétala lufava no espaço tênue do quarto. Ela me deu uma abraço cheio de beijos.

- Bom dia, flor!
- Bom dia, amor!

Ela sorriu com os olhos. Eu gargalhei com o coração. Fui à varanda e trouxe um cravo que tirei do vaso e o coloquei atrás de sua orelha. Ela meneou a cabeça com os olhinhos infantis e puros.


Molhou os lábios e me beijou com ternura. Lá fora, farfalhava as árvores ensolaradas de sabiás. Uma nesga de sol se imiscuía no quarto, se esfregando na fresta da janela. O mar chuava ao pé da varanda.

Ela se levantou, escovou os dentes, acariciou os cabelos, escavou as gavetas e encontrou uma carta que ela escrevera na noite anterior. As letras bem torneadas, desenhadas esculturalmente, como ela, diziam:

"quando chegar Setembro quero fazer-me flor e borboleta. Quero-te abelhoso, casuloso, invólucro e envolvente. Quero-te amável e aderente. Quero-te árvore, quero-me semente. E queiramo-nos assim, eternamente".


Ela fechou a carta e abriu um sorriso amigo. Eu abri os braços e lhe fechei um abraço abrigo. E sentamos pro café da manhã, polinizados de gérmen de trigo.

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