Das Vantagens de Ser Bobo (Clarice Lispector)

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  O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar no mundo. O bobo é capaz de ficar sentado, quase sem se mexer por duas horas. Se perguntando por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo. Estou pensando." Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a ideia. O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não veem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os veem como simples pessoas humanas. O bobo ganha liberdade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski. Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea o...

O Poeta Diante de Deus (Jorge de Lima)



Senhor Jesus, o século está pobre.
Onde é que vou buscar poesia?
Devo despir-me de todos os mantos,
os belos mantos que o mundo me deu.
Devo despir o manto da poesia.
Devo despir o manto mais puro.
Senhor Jesus, o século está doente,
o século está rico, o século está gordo.
Devo despir-me do que é belo,
devo despir-me da poesia,
devo despir-me do manto mais puro
que o tempo me deu, que a vida me dá.
Quero leveza no vosso caminho.
Até o que é belo me pesa nos ombros,
até a poesia acima do mundo,
acima do tempo, acima da vida,
me esmaga na terra, me prende nas coisas.
Eu quero uma voz mais forte que o poema,
mais forte que o inferno, mais dura que a morte:
eu quero uma força mais perto de Vós.
Eu quero despir-me da voz e dos olhos,
dos outros sentidos, das outras prisões,
não posso Senhor : o tempo está doente.
Os gritos da terra, dos homens sofrendo
me prendem, me puxam ¬ me daí Vossa mão.




JORGE DE LIMA
(1895 — 1953)


Jorge de Lima nasceu em União dos Palmares (AL), em 23 de abril de 1893. Filho de José Mateus de Lima, um senhor de engenho, e de Delmina Simões de Mateus de Lima. Cursou parte do primário no município natal, e viria a ser completado no Instituto Alagoano, em Maceió. Transferiu-se para o Colégio Diocesano de Alagoas, onde completou os “preparatórios”. Iniciou, em 1911, a faculdade de Medicina, em Salvador BA, concluindo-a em 1915, no Rio de Janeiro. Ainda em 1915 retorna a Maceió para exercer a medicina. Em 1919, elegeu-se Deputado Estadual pelo Partido Republicano de Alagoas, assumindo a Presidência da Câmara por dois anos. Em 1930, transferiu-se para o Rio de Janeiro por desavenças políticas, e ali na Capital exerceu a clínica médica e foi professor de Literatura Brasileira na Universidade do Brasil. O seu consultório na Cinelândia tornou-se famoso como centro de reunião de intelectuais e amigos. Após a queda do Estado Novo, militou na política, elegendo-se vereador no antigo Distrito Federal, pela UDN. Em 1944, candidatou-se sem êxito à Academia Brasileira de Letras. Em 1952, é fundada a Sociedade Carioca de Escritores (SOCE), da qual foi o primeiro presidente provisório. Faleceu em 15 de novembro de 1953 após longa enfermidade.

Em entrevista ao jornal Folha da Manhã, em 1952, Jorge de Lima disse que acordava às quatro da manhã; que só fazia visitas como médico; ouvia Mompou, Strawinsky, Bach, Mozart, Beethoven; Stendhal era o escritor estrangeiro de sua predileção. Sobre o Brasil, declarou que “É um país semicolonial, com as maiores possibilidades de ser uma verdadeira democracia e o maior país do futuro”. 

  
Para nós, todavia, pelo menos neste momento de nossa própria evolução, é Jorge de Lima o maior, o mais alto, o mais vasto, o mais importante, o mais original dos poetas brasileiros de todos os tempos.
Mario Faustino

Tudo entra no poema de Jorge de Lima concebido na febre que exalta, no sonho que dilata, no transe que confunde. E o passado junta-se ao presente. Memória e invenção, sonho e realidade, história e futuro, infância e ancestralidade confundem-se, como se, em verdade, o poeta formasse com o seu poema uma espécie de caos preparatório de onde surgirá um dia uma ordem ideal.

João Gaspar Simões, da apresentação ao livro Invenção de Orfeu

A partir do instante que ninguém tiver medo de assumir que reconhece e compreende a sua obra, aí Jorge de Lima estará sagrado como o poeta brasileiro que melhor sintetiza as possibilidades de invenção da língua portuguesa em terras brasileiras.
Salomão Sousa 

Bibliografia: XIV Alexandrinos, Artes Gráficas, 1914; O Mundo do Menino Impossível, Casa Trigueiros, 1925; Poemas, Casa Trigueiros, 1927; Novos Poemas, Pimenta de Melo & Cia., 1929; Poemas Escolhidos. Andersen Editores, 1932; Tempo e Eternidade, Livraria do Globo, 1935 - em colaboração com Murilo Mendes; A Túnica Inconsútil, Cooperativa Cultural Guanabara, 1938; Poemas Negros, Revista Acadêmica, 1947; Livro de Sonetos, Livros de Portugal, 1949; Vinte Sonetos, ilustrações do autor, Editor V. P. Brumlik, 1949; Obra Poética, Editora Getulio Costa, - inclui produção anterior, juntamente com Anunciação e Encontro de Mira-Celi, 1950; Invenção de Orfeu, ilustração de Fayga Ostrower; Livros do Brasil, 1952. Constam aqui apenas as primeiras edições de sues livros de poemas, cabendo sinalizar que ele escreveu um livro sobre Castro Alves (Castro Alves — Vidinha), um sobre Anchieta (Anchieta), alguns outros ensaios, e cinco romances (Salomão e as mulheres, O anjo, Calunga, A mulher obscura, e Guerra dentro do beco). Sua obra tem gerado apresentações teatrais e musicais, cabendo destacar o espetáculo O Grande Circo Místico, de Edu Lobo e Chico Buarque de Hollanda, que está registrado em disco.

Página gentilmente organizada por Salomão Sousa.


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