Senhor Jesus, o século
está pobre.
Onde é que vou buscar poesia?
Devo despir-me de todos os mantos,
os belos mantos que o mundo me deu.
Devo despir o manto da poesia.
Devo despir o manto mais puro.
Senhor Jesus, o século
está doente,
o século está rico, o
século está gordo.
Devo despir-me do que é
belo,
devo despir-me da poesia,
devo despir-me do manto
mais puro
que o tempo me deu, que a
vida me dá.
Quero leveza no vosso
caminho.
Até o que é belo me pesa
nos ombros,
até a poesia acima do
mundo,
acima do tempo, acima da
vida,
me esmaga na terra, me
prende nas coisas.
Eu quero uma voz mais
forte que o poema,
mais forte que o inferno,
mais dura que a morte:
eu quero uma força mais
perto de Vós.
Eu quero despir-me da voz
e dos olhos,
dos outros sentidos, das
outras prisões,
não posso Senhor : o tempo
está doente.
Os gritos da terra, dos
homens sofrendo
me prendem, me puxam ¬ me
daí Vossa mão.
JORGE
DE LIMA
(1895
— 1953)
Jorge
de Lima nasceu em União dos Palmares (AL), em 23 de abril de 1893. Filho de
José Mateus de Lima, um senhor de engenho, e de Delmina Simões de Mateus de
Lima. Cursou parte do primário no município natal, e viria a ser completado no
Instituto Alagoano, em Maceió. Transferiu-se para o Colégio Diocesano de
Alagoas, onde completou os “preparatórios”. Iniciou, em 1911, a faculdade de
Medicina, em Salvador BA, concluindo-a em 1915, no Rio de Janeiro. Ainda em
1915 retorna a Maceió para exercer a medicina. Em 1919, elegeu-se Deputado
Estadual pelo Partido Republicano de Alagoas, assumindo a Presidência da Câmara
por dois anos. Em 1930, transferiu-se para o Rio de Janeiro por desavenças
políticas, e ali na Capital exerceu a clínica médica e foi professor de Literatura
Brasileira na Universidade do Brasil. O seu consultório na Cinelândia tornou-se
famoso como centro de reunião de intelectuais e amigos. Após a queda do Estado
Novo, militou na política, elegendo-se vereador no antigo Distrito Federal,
pela UDN. Em 1944, candidatou-se sem êxito à Academia Brasileira de Letras. Em
1952, é fundada a Sociedade Carioca de Escritores (SOCE), da qual foi o
primeiro presidente provisório. Faleceu em 15 de novembro de 1953 após longa
enfermidade.
Em
entrevista ao jornal Folha da Manhã, em 1952, Jorge de Lima disse que acordava
às quatro da manhã; que só fazia visitas como médico; ouvia Mompou, Strawinsky,
Bach, Mozart, Beethoven; Stendhal era o escritor estrangeiro de sua predileção.
Sobre o Brasil, declarou que “É um país semicolonial, com as maiores
possibilidades de ser uma verdadeira democracia e o maior país do
futuro”.
Para
nós, todavia, pelo menos neste momento de nossa própria evolução, é Jorge de
Lima o maior, o mais alto, o mais vasto, o mais importante, o mais original dos
poetas brasileiros de todos os tempos.
Mario
Faustino
Tudo
entra no poema de Jorge de Lima concebido na febre que exalta, no sonho que
dilata, no transe que confunde. E o passado junta-se ao presente. Memória e
invenção, sonho e realidade, história e futuro, infância e ancestralidade
confundem-se, como se, em verdade, o poeta formasse com o seu poema uma espécie
de caos preparatório de onde surgirá um dia uma ordem ideal.
João
Gaspar Simões, da apresentação ao livro Invenção de Orfeu
A
partir do instante que ninguém tiver medo de assumir que reconhece e compreende
a sua obra, aí Jorge de Lima estará sagrado como o poeta brasileiro que melhor
sintetiza as possibilidades de invenção da língua portuguesa em terras
brasileiras.
Salomão
Sousa
Bibliografia:
XIV Alexandrinos, Artes Gráficas, 1914; O Mundo do Menino Impossível, Casa
Trigueiros, 1925; Poemas, Casa Trigueiros, 1927; Novos Poemas, Pimenta de Melo
& Cia., 1929; Poemas Escolhidos. Andersen Editores, 1932; Tempo e
Eternidade, Livraria do Globo, 1935 - em colaboração com Murilo Mendes; A
Túnica Inconsútil, Cooperativa Cultural Guanabara, 1938; Poemas Negros, Revista
Acadêmica, 1947; Livro de Sonetos, Livros de Portugal, 1949; Vinte Sonetos,
ilustrações do autor, Editor V. P. Brumlik, 1949; Obra Poética, Editora Getulio
Costa, - inclui produção anterior, juntamente com Anunciação e Encontro de
Mira-Celi, 1950; Invenção de Orfeu, ilustração de Fayga Ostrower; Livros do
Brasil, 1952. Constam aqui apenas as primeiras edições de sues livros de
poemas, cabendo sinalizar que ele escreveu um livro sobre Castro Alves (Castro
Alves — Vidinha), um sobre Anchieta (Anchieta), alguns outros ensaios, e cinco
romances (Salomão e as mulheres, O anjo, Calunga, A mulher obscura, e Guerra
dentro do beco). Sua obra tem gerado apresentações teatrais e musicais, cabendo
destacar o espetáculo O Grande Circo Místico, de Edu Lobo e Chico Buarque de
Hollanda, que está registrado em disco.
Página gentilmente organizada por
Salomão Sousa.
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