E de agora em diante, fica estabelecido que todos os corações vazios, mal
amados, partidos, abandonados ou tão somente subutilizados serão pacífica e
amorosamente invadidos e ocupados pelo amor em todas as suas formas.
Sem paus e pedras e enxadas, mas com flores e música e presentes e simples
declarações de apreço e cuidado, o amor tomará posse irrevogável de todo e
qualquer coração devoluto. Banqueiros e bancários, construtores e operários,
empresários, professores, artistas de rua, profissionais de toda sorte, adultos
e crianças e velhinhos, todas as almas solitárias deste mundo! Preparem-se para
ceder sem luta à chegada implacável do amor às terras férteis de seus corações.
Abram seus portões, escancarem as portas, liberem as janelas, prendam os
cachorros e preparem a casa à visita permanente do amor operário, trabalhador,
corajoso e simples. Ele vai chegar sem slogans ou passeatas, sem discursos,
gritos de guerra ou enfrentamentos com a polícia. Vai surgir na hora mais
silenciosa da noite, deitar ao seu lado e acordar com você na hora de ir ao
trabalho, como se ali estivesse desde sempre.
O amor vai chegar assim, de manso, mas com o passo forte e a potência de um
jato varrendo a craca dos rancores, a sujeira grossa dos maus pensamentos, a
gordura acumulada das chateações diárias, da burrice, da inveja, da grosseria.
Virá com a força mesma da vida, desobstruindo os canais da memória entupidos de
morte. Virá alegre como o cão que reencontra o dono depois da eternidade de um
dia inteiro sozinho em casa, à espera.
E então as preocupações ordinárias e mesquinhas farão as malas e deixarão os
corações livres para viver em absoluto estado de ocupação plena pelas intenções
e ações de um amor generoso, diário e vital.
Esse amor que acorda cedo e faz ginástica, que parece tão mais jovem do que de
fato é, esse amor vai pintar as paredes da casa, mudar a posição dos móveis,
vai matar a sede e a fome que restam, soltar os passarinhos de suas gaiolas
ridículas, vai cuidar da horta no quintal e presentear os vizinhos com as
verduras frescas. Esse amor vai florescer e perdurar e se esparramar pelas
redondezas. Vai levar ao passeio diário os cachorros que vivem dentro de cada
um de nós. Esse amor vai invadir em paz a nossa vida tão talhada para a guerra.
E quando as forças armadas de um coração já machucado se levantarem em defesa
natural de sua estrutura, em puro e simples movimento de autopreservação, o
amor estenderá sua mão pequena e linda, de unhas roídas e sem nenhum esmalte, e
todas as armas cairão em silêncio. Então esse coração abrirá suas fronteiras à
chegada irrefreável do encantamento amoroso e total, explosão de energia que
nos leva ao encontro de quem somos, nos resgata da morte e nos devolve, sãos e salvos,
à vida que é hoje, amanhã e depois um longo e eterno agora.
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