Das Vantagens de Ser Bobo (Clarice Lispector)

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  O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar no mundo. O bobo é capaz de ficar sentado, quase sem se mexer por duas horas. Se perguntando por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo. Estou pensando." Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a ideia. O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não veem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os veem como simples pessoas humanas. O bobo ganha liberdade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski. Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea o...

'Manhã' (Otávio Cabral)

*
Dedicado ao poeta Sidney Wanderley:


Não adianta insistir
Se a torneira está fechada

De que serve o poema ao homem
Se lhe sobra a palavra fome
E lhe falta a palavra vida?


Melhor seria fechar a torneira
(Como fez o poeta)
Sepultando as metáforas
Transtornando as estrofes
Sufocando-as na garganta?

De que serve o poema ao homem
Quando o poema está rouco
E o homem já não ouve?

Ou melhor seria mesmo
Fechar a torneira
Esperar sentado
O milagre do homem?

Afinal
De que serve o poema ao homem
Quando lhe falta o milagre do peixe
E lhe sobra o destino em novena?

De que serve o poema ao homem
Se lhe falta o consumo da força
E lhe sobra sonho ao delírio?

De que serve o poema ao homem
Se dele não extrai o último saldo
Nem digita a senha no supermercado?

De que serve o poema ao homem
Se não acessa a senha bancária
Nem reduz a parte do Imposto de Renda?

De que serve (enfim) o poema ao homem
Se dele não se serve o homem?

Serve o poema ao homem
Quando muito quando nada

(Como o galo de Cabral
quando tecendo a manhã
que anuncia a outro galo
que repassa a um outro
e a outro é repassado
para que outro o retome
e assim torne a repassar)

Para lembrar a esse homem
Como se inventa a manhã

*foto dos arquivos de Luiz Sávio de Almeida.


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