Das Vantagens de Ser Bobo (Clarice Lispector)

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  O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar no mundo. O bobo é capaz de ficar sentado, quase sem se mexer por duas horas. Se perguntando por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo. Estou pensando." Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a ideia. O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não veem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os veem como simples pessoas humanas. O bobo ganha liberdade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski. Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea o

O Barquinho (Jurandir Bozo)



Escorre em meu peito
Um restinho de água do rio
Junto a uma dolorosa saudade
De quem nunca fui
E fico imaginando
Enquanto goteja meus olhos
As poucas águas do rio
Que ainda carrego no peito
Assim por vezes saudade e eu rio
Por vezes dor e eu rio também
Eu rio da vida observando suas margens
Que nunca passam ou escorem

E a margem de uma lembrança do que nunca fui
Finda mar adentro feito um barquinho de papel
Indo para sua ultima pescaria
Não cabendo a mim empregar virgulas
Nem tampouco colocar pontos finais
Eu feito barco navego suave
Mesmo sendo o grande alimento
Das tempestades que me atormentam
Olho para o fim da minha rua
E vou beirando manso a calçada
Até chegar aonde sempre vou
Eu que sempre quis ir além-mar
Conhecer terras distantes
Universos esquisitos
Volto sempre aos mesmos lugares
Onde mesmo desconhecido
Todos sabem quem sou

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