Das Vantagens de Ser Bobo (Clarice Lispector)

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  O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar no mundo. O bobo é capaz de ficar sentado, quase sem se mexer por duas horas. Se perguntando por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo. Estou pensando." Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a ideia. O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não veem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os veem como simples pessoas humanas. O bobo ganha liberdade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski. Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea o

O Que é Morrer de Sede em Frente ao Mar? (Fernando Tenório)


Carlos saiu para passear. Embora avesso às saídas no fim de tarde de sábado resolveu, por obra do destino ou acaso, ver o mar. Experimentou a brisa no rosto como há muito não fazia. Olhou para o azul do céu e lembrou-se dos olhos de um passado que ainda mexe. Mexe mais que ressaca de mar revolto, tem poder maior que o da água na arrebentação, a qual pode,apesar da sua fluidez, levar tudo consigo.


Amanda já traz consigo sua chaga estampada no próprio nome. Ela ama! Das mais variadas maneiras ama. Dos amores que viveu carrega os desamores e guarda-o como prêmios obtidos e que na sua ilusão blindam-na dos novos contratempos do coração e, por acontecerem aos montes, garantem que sua dívida de sofrer por amor já foi paga.

Amanda também resolveu ir à praia. Foi ver o pôr do sol, e sorrir ao ver os sorrisos tolos das pessoas dentro do mar. Carlos fitava o mar e continuava seu caminhar, já Amanda olhava paralisada o sol morrer, quando a vida resolveu dar a eles um encontrão de presente. Olharam-se, não se reconheceram, o olhar dele permanecia preso a ela sabe-se lá o motivo. Por não saber, ele pediu desculpas. Ela aceitou, destinando-se rapidamente para uma região mais próxima ao mar.

Carlos e Amanda não se conhecem, apesar de morar na mesma cidade litorânea, no mesmo bairro. Desconhecem que ambos são fã dos Beatles, do Saramago e do Milton Nascimento. Carlos não sabe que Amanda tem a péssima mania de não trancar a porta antes de dormir. Amanda nunca saberá que Carlos dorme todas as noites no sofá da sala, talvez por sentir-se um desalojado dentro do seu próprio lar, do seu próprio eu. Não sabem que ambos andam sozinhos e querendo alguém para dividir a solidão. Não sabem, nem eu sei, como seria caso se conhecessem.

Amanda tinha um mar de amor dentro de si. Carlos tinha sede, somente sede, de algum amor que chegasse. Amanda também tinha sede. Sede de transformar sua chaga, de ser aquela que ama, em qualquer outro rótulo, desde que fosse amada. E Carlos trazia dentro da sua solidão um mar de amor para despejar em alguém.

Não se reconheceram, seguiram caminhos diferentes. Morreram de sede em frente ao mar.



Comentários

  1. Seu texto é simplesmente lindo! Super me identifiquei.
    Parabéns!! Que nos presenteie mais vezes.

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    1. O Fernando Tenório é um excelente cronista, esse médico alagoano tem conquistado a muitos com seus belos e bem escritos textos.
      Obrigado Morena Flor por sua visita em nosso blog.
      Grande abraço!

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