Através de grossas portas,
— e há indagações
minuciosas
dentro das casas
fronteiras:
olhos colados aos vidros,
mulheres e homens à
espreita,
caras disformes de
insônia,
vigiando as ações alheias.
Pelas gretas das janelas,
pelas frestas das
esteiras,
a inveja e a maledicência.
oscilam no ar de
surpresas,
na gosma das teias densas,
Atrás de portas fechadas,
brilham fardas e casacas,
junto com batinas pretas.
E há finas mãos
pensativas,
entre galões, sedas,
rendas,
e há grossas mãos
vigorosas,
de unhas fortes, duras
veias,
e há mãos de púlpito e
altares,
de Evangelhos, cruzes,
bênçãos.
Uns são reinóis, uns,
mazombos;
e pensam de mil maneiras;
mas citam Vergílio e
Horácio,
e refletem, e argumentam,
falam de minas e impostos,
Atrás de portas fechadas,
uns sugerem, uns recusam,
uns ouvem, uns aconselham.
Se a derrama for lançada,
Do cimo de alguma escada,
profere-se alguma arenga?
Que bandeira se desdobra?
Com que figura ou legenda?
do Paganismo ou da Igreja?
Um gênio a quebrar
algemas?
Atrás de portas fechadas,
entre sigilo e espionagem,
acontece a Inconfidência.
E diz o Vigário ao Poeta:
do versinho de
Vergílio..."
E dá-lhe o papel e a pena.
E diz o Poeta ao Vigário,
"Tenha meus dedos
cortados
antes que tal verso
escrevam..."
LIBERDADE, AINDA QUE
TARDE,
ouve-se em redor da mesa.
E a bandeira já está viva,
E os seus tristes
inventores
já são réus — pois se
atreveram
(que ninguém sabe o que
seja).
Através de grossas portas,
— e há indagações
minuciosas
dentro das casas
fronteiras.
"Que estão
fazendo, tão tarde?
Que escrevem, conversam,
pensam?
Mostram livros proibidos?
Lêem notícias nas Gazetas?
de potências
estrangeiras?"
saltando vastas
fronteiras!
Ó vitórias, festas, flores
das lutas da
Independência!
Liberdade - essa palavra,
que o sonho humano
alimenta:
que não há ninguém que
explique,
e ninguém que não
entenda!)
E a vizinhança não dorme:
murmura, imagina, inventa.
Não fica bandeira escrita,
mas fica escrita a
sentença.
Texto extraído do livro "Romanceiro da Inconfidência",
Editora Letras e Artes - Rio de Janeiro, 1965, pág. 70.
*Saiba tudo sobre a vida e a obra de Cecília Meireles visitando "Biografias", no site RELEITURAS.
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