Das Vantagens de Ser Bobo (Clarice Lispector)

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  O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar no mundo. O bobo é capaz de ficar sentado, quase sem se mexer por duas horas. Se perguntando por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo. Estou pensando." Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a ideia. O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não veem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os veem como simples pessoas humanas. O bobo ganha liberdade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski. Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea o...

"Você é Feminista!" (Ruth Manus)



Semana passada fui dar aula sobre assédio sexual num curso de pós graduação em São Paulo. Cheguei na sala, composta predominantemente por advogados, e perguntei “Quem aqui se considera feminista?”. Silêncio. Uma moça levanta timidamente o braço. Dois ou três caras fazem comentários baixinho e riem.

Disse “Ok. Vou fazer duas leituras rápidas para vocês”. Continuei.

“Dicionário Houaiss da língua portuguesa: FEMINISMO: teoria que sustenta a IGUALDADE politica, social e econômica de ambos os sexos.

Dicionário Jurídico da Professora Maria Helena Diniz: FEMINISMO: movimento que busca equiparar a mulher ao homem no que atina aos direitos, emancipando-a jurídica, econômica e sexualmente.”

Esperei um pouquinho e mudei a pergunta “Quem aqui pode me dizer que NÃO se considera feminista?”. Ninguém levantou a mão.

Pois é. Tenho a sensação de que 99% do mundo não entendeu até agora o que é feminismo. Porque se as pessoas entendessem, quase todo mundo teria orgulho de se dizer feminista. E o melhor: dizer “eu não sou feminista” seria considerado algo mais feio do que dizer “eu não gosto de filhote de golden”.

Não vou perder tempo aqui dizendo que feministas não são mulheres que não se depilam, não usam soutien e não transam. Primeiro porque ser feminista não tem a ver com ser mulher, tem a ver com ser humano. Segundo porque nunca entendi que raio que os pelos têm a ver com posicionamentos ideológicos. Terceiro porque soutien serve para sustentar peitos, não para sustentar ideias. E quarto porque eu já vi gente deixar de transar por causa da igreja, por causa de promessa, por falta de opção, por infecção ginecológica, problemas de ereção… Mas por feminismo nunca vi. Alguém já viu?

Enfim. Acho que ser feminista não é bom ou ruim. Ser feminista é necessário. Uma vez ouvi uma amiga dizer “a mulher que diz que nunca foi discriminada é apenas uma mulher muito distraída”. É simples assim. Não precisamos ir até o Oriente Médio. Não precisamos ir até tribos africanas. Não precisamos ir ao sertão do nordeste. Não precisamos ir até a periferia de São Paulo. Não precisamos sair dos nossos bairros. O machismo que limita, que agride, que marginaliza, que ofende, que diminui, mora ao lado, dorme por perto.

E agora, quem poderá nos defender? O feminismo. O mesmo feminismo que nos tornou civilmente capazes e independentes perante a lei. O mesmo feminismo que nos possibilitou votarmos e sermos votadas. O mesmo feminismo que segue lutando diariamente por uma sociedade mais justa para mulheres, homens, mães, pais, filhas, filhos, trabalhadoras e trabalhadores.

No século XIX, as brilhantes irmãs Brontë escreviam através de pseudônimos masculinos por saberem que suas obras não seriam aceitas na sociedade se soubessem que as autoras eram mulheres. Se não fosse o feminismo eu provavelmente também não estaria escrevendo aqui neste momento. Pelo menos não como Ruth.

Nesse domingo, o tema da redação do Enem foi a violência contra a mulher. Milhões de jovens tiveram que parar para pensar sobre isso. Que avanço lindo. Pensar é sempre o primeiro passo. Perceber que a questão existe, que o tema não é antiquado e que, infelizmente, as questões de gênero estão muito longe de serem superadas. A violência persiste, a discriminação no ambiente de trabalho persiste, a desigualdade salarial persiste, a discriminação com as tarefas domésticas persiste, as pequenas (e não menos graves) agressões machistas do dia a dia persistem. Então a luta tem que persistir.

O feminismo não é de esquerda nem de direita. Não é só para mulheres nem é só para homens. Não é ameaça. Não é um estranho. Mas perceba que quando você trata os feministas na terceira pessoa do plural, excluindo-se deste rol, você está afirmando não fazer parte do grupo que prega a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. Pense bem de que lado você quer estar.

Se você percebeu que é feminista, fique tranquilo. Nós não contaremos para ninguém. Mas, sabe? Se eu fosse você, eu sairia contando para todo mundo. Porque ser feminista é lindo, é importante, é sinal da inteligência e da decência de qualquer ser humano. Como diz o lindo livrinho da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie (leiam, ele é pequenino e indispensável): Sejamos todos feministas. E o mundo será melhor a cada dia. Pode apostar.

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